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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Vaticano não queria denúncias de pedofilia


Carta de 1997 manifesta reservas a decisão dos bispos irlandeses. Vaticanista diz que documento mostra que nos anos 90 havia divisões sobre o assunto em Roma


Uma carta enviada aos bispos irlandeses, em 1997, revela que o Vaticano tinha "fortes reservas" em relação à directiva que tinham aprovado no ano anterior, que tornava obrigatória a denúncia às autoridades dos padres suspeitos de abusos sexuais. Um grupo de vítimas afirma que o documento é a "prova flagrante" de que a Santa Sé tentou encobrir a pedofilia.

A missiva, a que a televisão pública irlandesa RTE teve acesso, foi enviada pelo já falecido arcebispo Luciano Sotero, à data representante do Papa João Paulo II para a Irlanda. Nela, o prelado informava os bispos que a Congregação para o Clero analisou a directiva e sublinhava "a necessidade de o documento estar em conformidade com as normas canónicas", que à data estipulavam que os casos fossem mantidos em segredo e reportados apenas a tribunais eclesiásticos. A denúncia obrigatória às autoridades levantava, por isso, "sérias reservas, tanto de natureza moral como canónica".

Numa primeira reacção ao documento, Joelle Casteix, responsável da Rede de Sobreviventes dos Abusados por Padres, disse à agência AP que esta é a "prova flagrante pela qual as vítimas esperavam" nos processos que moveram contra o Vaticano. "Temos agora provas de que o Vaticano interveio directamente para ordenar aos bispos que não entregassem os padres pedófilos às autoridades", disse.

O padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, confirmou já a autenticidade do documento, mas afirma que ele representa apenas a posição particular de uma das partes da Cúria antes de 2001. Foi nesse ano que o Papa João Paulo II deu ordens para que fosse a Congregação para a Doutrina da Fé, então chefiada pelo cardeal Joseph Ratzinger (actual Papa Bento XVI), a lidar em exclusivo com os casos de pedofilia. O documento, acrescentou Lombardi, "refere-se a uma situação que já faz parte do passado, a uma abordagem que foi ultrapassada, incluindo sobre a colaboração [da hierarquia] com as autoridades civis".

John Allen, vaticanista do National Catholic Reporter, desvalorizou o impacto da revelação, explicando à BBC que não se trata de uma ordem, mas de "alguém no Vaticano a dar uma opinião". Ainda assim, sublinha, "esta é mais uma confirmação de que, no final dos anos 1990, existia ainda uma profunda ambivalência do Vaticano" sobre a denúncia dos padres pedófilos.

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